Parti de casa na sexta-feira passada, com a minha bicicleta, o alforge cheio e pesado de coisas essenciais e a alma carregada de sonhos e de expectativas. Pedalei pelo Caminho Português da Costa até Santiago de Compostela com 16 companheiros de viagem e regressei a pedalar pelo Caminho central Português com 5 companheiros de aventura. No total pedalei 545 km e subi 7817 metros de acumulado. Foram muitas horas, muitas histórias, muitos momentos, muitas emoções, estou a tentar interiorizar e perceber tudo, cada sensação, cada sentimento, enquanto regresso à vida real e tento conseguir que o choque de realidade não me abale. Talvez tenha 1001 histórias para contar e escrever sobre esta viagem, talvez as queira guardar só para mim, num qualquer recanto da minha memória, do meu corpo e da minha alma, ainda não sei. O que sei é que no quarto dia da minha viagem, quando tudo parecia correr mal, estávamos nós em Pontevedra, a 200 km de casa, carregados com umas mudas de roupa, alguma comida e pouco mais, em autonomia total, com duas avarias graves nas bicicletas, uma delas que podia acabar com a viagem, uma senhora idosa parou para falar com o meu amigo, que sendo quase da minha idade parece um miúdo, passou-lhe a mão no rosto em meiguice e lhe pediu para, por favor, termos muito cuidado, porque foi assim que morreu o filho dela, atropelado de bicicleta por um camião. Há quem diga que sou corajosa por preparar e avançar para aventuras destas, mas para isso não preciso de coragem absolutamente nenhuma, isso é o meu território natural. Coragem precisei naquele dia, para desvalorizar a senhora perante o meu amigo, para não contar aos outros, para não encarar aquilo como um sinal, como um mau presságio, como um qualquer aviso, coragem precisei para continuar a viagem sem demonstrar qualquer tipo de insegurança ou de tristeza, para tentar esquecer o peso na alma e no coração, para olhar as setas e continuar a pedalar, em direcção ao nosso destino. Estamos em casa, nunca tinha regressado a casa de uma viagem assim, é uma comoção única e até agora indescritível. Já começo a pensar na próxima aventura, acho que nasci para isto. Coragem... coragem é outra coisa.