Era uma vez uma Loira
Quando comecei a pedalar no meio da montanha e por trilhos nunca antes imaginados por mim, miúda da cidade que achava que se podia ir de estrada para todo o lado e que não imaginava sequer que os locais mais fantásticos que viria a conhecer estão reservados só para alguns e nunca me seria possível chegar lá se não fosse a minha querida bicicleta, tinha a mania que era capaz de tudo.
Havia um charco de água para passar e lá vinham os rapazes, oferecer-se para me levar a bicicleta. Havia umas pedras para descer e lá vinham os rapazes perguntar-me se eu precisava de ajuda. Uma subida difícil e lá perguntavam eles se eu tinha força ou se queria que me fossem buscar a bicicleta. Aquilo irritava-me profundamente e eu respondia sempre o mesmo, que desculpassem, mas que se eu tinha trazido a bicicleta era eu que levava a bicicleta, no dia em que não pudesse com ela não vinha.
Certa vez chegou o dia de ir fazer o meu primeiro Raid da Lama e eu estava longe de imaginar o que aquilo era. Ainda nos primeiros quilómetros o Isidro, que me acompanhava, começou a oferecer-me ajuda a cada cinco minutos, dois metros de lama e lá perguntava ele, uma pedra escorregadia e lá perguntava ele, um charco de água e lá perguntava ele. Eu, que não queria ferir a sua boa vontade, inicialmente lá fui dizendo que não, que era capaz, depois ele começou a enervar-me, sempre a oferecer ajuda, até em locais completamente fáceis, tratava-me como se eu fosse uma menina e eu, do alto da minha falta de experiência lá lhe expliquei aquela história do, se eu trago a bicicleta, sou eu que a levo e blá... blá... blá... Uns quilómetros mais à frente havia um rio para passar, não era um rio qualquer, era um rio com muita profundidade e do lado não havia hipótese, eram pedras super altas e escorregadias, o Isidro passou o rio e ficou do lado de lá a olhar para mim, eu meti-me lá dentro com a água pela cintura e a bicicleta às costas, mas a corrente da água era tão forte que eu mal conseguia caminhar, a bicicleta magoava-me e eu não consegui sair dali, pelo menos facilmente, depois de um grande esforço e de quase ter morrido três vezes lá consegui. Entretanto, enquanto eu dava aquele espectáculo digno de um filme de comédia juntaram-se alguns esperadores masculinos, uns que perguntavam ao Isidro porque caralho ele não me ajudava e outros que queriam ajudar-me mas aos quais o Isidro dizia que não, que eu me safava muito bem sozinha. Quando, finalmente, consegui atravessar o rio começamos a pedalar e o Isidro explicou-me que não me ajudou porque eu trouxe a bicicleta e quero muito ser eu a levar a bicicleta e que blá... blá... blá...
E foi a partir desse dia, do meu primeiro Raid da Lama em que o Isidro me acompanhou que eu, miúda que continua com a mania de que é capaz de tudo, todas as vezes que me oferecem ajuda, faço um grande sorriso, agradeço e digo que não preciso, mas que se precisar eu peço.
Janeiro de 2016