domingo, 19 de fevereiro de 2017

Reler-me #13

Querido diário,

às vezes dou por mim a ler-me, a reler-me ou a relembrar-me. Ainda não sei bem que nome atribuir a isto, mas de tempos a tempos vou ali ao arquivo ler qualquer coisa escrita há muito tempo atrás, parece sempre uma eternidade. Consigo surpreender-me sempre, mais de quatro anos a escrever e ainda é uma surpresa esta sensação de ler-me, de ler-te. Passamos, os dois, momentos muitos divertidos, esses são os que mais gosto de recordar, mas houve mais, muito mais, ficaste alegre e feliz comigo, ficaste triste, apaixonaste-te comigo, viveste comigo todas as minhas aventuras, todas as minhas desventuras, vimos juntos partir pessoas. Viste cair-me algumas lágrimas e chegar muitos sorrisos, muitas gargalhadas. Viste as mudanças na minha vida e em mim, acompanhaste-me. Deste-me ainda pessoas, pessoas que chegaram e continuam a chegar a mim por tua causa. Por vezes abandonei-te, voltei sempre, tu sabes, volto sempre. Mudei, cresci, mudaste e cresceste comigo, escondi sentimentos nas tuas entrelinhas e conjuguei emoções. Às vezes dou por mim a ler-me, a ler-te e olha... gosto de ti.

Fevereiro de 2014

Reler-me #12

É tudo uma questão de pele... e de paixão...

Não procures mais, por muito que o faças nunca mais o vais sentir, é o cheiro dela misturado com aquilo que sentias no exacto momento em que todos os poros da pele dela rogavam por ti. É tudo uma questão de pele, a dela. Podes comprar mil vezes o perfume que ela usa, podes sentir esse mesmo perfume em mil corpos diferentes, nunca mais será o mesmo. Nunca mais conseguirás que te desperte os sentidos daquela mesma forma. É tudo uma questão de pele, de paixão e de desejo.

Fevereiro de 2014

sábado, 18 de fevereiro de 2017

Faz hoje 35 anos que nasci

Podia escrever um grande post e fazer as reflexões e balanços que a solene data e a ocasião obrigam, mas estou demasiado ocupada a viver isto e a ser feliz. Parabéns Loira. Feliz teu (meu) ano novo.

sexta-feira, 17 de fevereiro de 2017

Reler-me #11

Sinto-me um bocado perdida por aqui.

Não tenho cão, não tenho gato, não tenho sequer um peixinho. Gosto de me vestir bem mas detesto que me tirem fotografias. Selfies a fazer beicinho então era o fim. Não tenho instagram e até o facebook me cansa profundamente. Não sou mãe. Ao pequeno-almoço como pão e bebo leite com café ou na loucura uns cereais com iogurte líquido, mas com tanto sono se fosse fotografar aquilo era bem capaz de vos traumatizar. Pinto sempre as unhas de branco, preto ou vermelho, nada que vos interesse. Não sei cozinhar nada de jeito, muito menos teria coragem de vos dar uma receita de arroz com ervilhas. Não compro prendas para o dia dos namorados por isso também não tenho sugestões. Não faço pulseiras, nem gorros, nem capas para livros por isso não tenho nada para vender. Não gosto de ver televisão, comentar programas de entretenimento seria impensável. Não tenho patrocínios e seria uma desgraça a fazer publicidade. De tempos a tempos desapareço e perco completamente o fio à meada. Não tenho uma vida cor-de-rosa encaixada num mundo perfeito. Até hoje ainda não percebi o que caralho são as bagas goji.

Fevereiro de 2014

Reler-me #10

Pietro...

Construiu uma árvore e chamou-lhe de laranjeira. Um dia passou por lá um miúdo que lhe disse que a árvore não era uma laranjeira, a árvore só podia ser um limoeiro porque os frutos eram amarelos e desde então Pietro passou a chamar-lhe de limoeiro. Tempos depois passou por lá outro miúdo que lhe disse que aquilo não era uma limoeiro, aquilo só podia ser uma papeleira porque os frutos eram de papel e mostrou-se tão certo disso que Pietro passou a chamar-lhe papeleira. Tempos depois passou por lá um holandês meio louco que lhe deixou por baixo da árvore uma laranja, Pietro nunca mais tirou de lá a laranja e achou que desde início teve sempre razão, aquilo era mesmo uma laranjeira e desde então passou a chamar-lhe novamente de laranjeira.

"O conhecimento é limitado, a imaginação não."

Fevereiro de 2014

Os meus livros #10 - A Viagem de Felicia (William Trevor)



SINOPSE

«És linda», disse-lhe Johnny e, então, cheia de esperança e com apenas dezassete anos, Felícia atravessa o Mar da Irlanda para Inglaterra ao encontro do seu amado, para lhe dizer que está grávida. Desesperadamente em busca de Johnny nas desoladoras Midlands pós-industriais, ela é, pelo contrário, encontrada pelo Sr. Hilditch, um estranho e solitário homem, um coleccionador de jovens raparigas perdidas...




Tão bom, tão bom, tão bom. A Viagem de Felicia é daqueles livros que nos diz muito com a história e ainda mais nas entrelinhas. 

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2017

Queridas Fashion Bloggers, conselheiras de moda e pessoas que percebem de fazer pandã em geral... SOCORRO

Há uns tempos atrás passeava eu por um site duvidoso, coisa que adoro fazer, em busca de novidades e de coisas giras para pedalar, quando me deparei com um colete lindo de morrer, pelo menos foi o que me pareceu naquele dia em que eu 1) ou estava com uma ressaca do caralho 2) ou tinha mesmo muito sono. Comprei o colete e como sempre esperei... esperei... esperei... até que um belo dia o colete chegou e eu olhei bem para ele e percebi que não ficava bem em absolutamente nada. Ok, também tive uma ajuda externa, uma voz que disse: "tens a certeza que isso fica bem com alguma coisa?", claro que eu não tinha a certeza, o meu roupeiro está cheio de rosas e de amarelos, de fluorescentes e de azuis, de verdes fortes e de cores com choque no fim, daquelas que fazem doer os olhos. Tristemente cheguei à conclusão que não podia usar o meu colete novo a não ser que comprasse o jersey igual e que aí sim, eu ia ficar linda de morrer com o meu conjunto super especial. Comprei o jersey e esperei... esperei... esperei... até que hoje o carteiro me trouxe a minha encomenda e com ele o jersey mais feio do mundo, exactamente igual ao colete mais feio do mundo. Felicidade das felicidades olhei para ele e percebi que não ficava bem com absolutamente nada a não ser com o colete que não fica bem com absolutamente nada. 
Posto isto, pergunto: o que caralho vou eu usar com o jersey e o colete que fazem o conjunto mais horroroso de sempre? E não me venham dizer para comprar uns calções todos pretos, porque a essa conclusão já eu cheguei. Que óculos é que eu uso com isto? Que sapatos é que eu uso com isto? Que luvas é que eu uso com isto? E o pior, o pânico, o horror, o terror, que meias é que eu uso com esta merda?



Reler-me #9

Sonhos muito meus...

Desde que comecei a andar de bicicleta, fez ontem precisamente 3 anos, desde esse primeiro dia que me nasceu um sonho aqui dentro do peito, ainda não tinha preparação física mas comecei a sonhar com Santiago de Compostela, sair daqui, da minha cidade e fazer O Caminho para chegar lá, aproximadamente 300 km e 3 dias depois. Treinei para isso, fiz quilómetros, fiz uma grande viagem num fim de semana para testar a minha capacidade física e estava tudo a correr bem para partir a caminho de Santiago em Maio, o meu corpo traiu-me, os meus joelhos não me deixaram partir e eu fiquei muito triste naquela altura. Um dos amigos que me acompanha nas pedaladas praticamente desde o início, aquele que estava a organizar a viagem, chamou-me, ofereceu-me o Jersey que tinha feito para as pessoas que iam e disse-me que estava a dar-me aquilo como promessa que eu ia a Santiago ainda naquele ano. Emocionou-me e deu-me força para continuar a treinar. Naquela altura, ainda não tinha praticamente equipamentos nenhuns, só uns foleiros daqueles que se compram nas lojas de desporto, não tinha Jerseys de equipa, não tinha Jerseys de maratonas, aquele era lindo e de cada vez que saía de casa para andar de bicicleta olhava para ele, mas nunca tive coragem de o vestir, não me achava digna de vestir um Jersey com o estampado do Caminho de Santiago, aquilo era algo maior, era um sonho por cumprir. Em Outubro desse ano o meu amigo organizou outra viagem e às quatro da manhã, num dia de temporal eu estava pronta para partir, levava o Jersey na mala, foi a viagem mais difícil de fazer de toda a minha vida, a tempestade, os joelhos que me voltaram a trair e a falta de experiência fizeram-me sofrer muito para lá chegar, duvidei se conseguiria, ainda durante a viagem não vesti o Jersey, pensava que se não conseguisse chegar à catedral nunca o iria vestir, só no último dia, já perto de Santiago é que me atrevi a vesti-lo e cheguei lá com ele. Desde esse dia, já ganhei vários, muitos Jerseys, já não me cabem numa gaveta, tenho inúmeros de maratonas, tenho de equipas, de lojas e até tenho um outro do Caminho de Santiago, desde esse dia já me nasceram aqui dentro muitos mais sonhos, um deles é fazer o caminho Francês de Santiago, sair de Saint-Jean-Pied-du-Port nos Pirenéus e pedalar cerca de 900 Km até Santiago de Compostela, desde esse dia já pedalei milhares de quilómetros, tenho incontáveis recordações, mas aquele primeiro Jersey e o que senti quando o vesti pela primeira vez vão ficar-me para sempre gravados na alma e no coração.

Fevereiro de 2016

Os meus livros #9 - A Cor do Coração (Barbara Mutch)


SINOPSE

Este romance de estreia de Barbara Mutch tem vindo a conquistar os meios literários internacionais, pela peculiar delicadeza e a sensibilidade que a sua escrita revela. A história inicia-se nas terras do Karoo, na África do Sul, onde uma jovem irlandesa chega para desposar o noivo que não vê há cinco anos e aí constituir família. O livro revela-nos as pouco ortodoxas ligações que se vão tecendo entre os diferentes personagens. Com o rebentar da Segunda Guerra Mundial tudo muda dolorosamente naquela casa, até que uma guerra se instala no próprio país — o apartheid—, dilacerando ainda mais as já fragilizadas relações. A Cor do Coração é, acima de tudo, um romance inteligente e desafiador, que retrata o drama e o sofrimento de duas mulheres capazes de se elevarem acima da crueldade e do preconceito em nome dos valores mais genuinamente humanos.



Um tema forte escrito de forma leve e fácil de ler. Um livro que se lê muito rapidamente e que nos mostra o mundo através de uns olhos muito especiais. 

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2017

O Blog era para mim

Criei-o sem saber o que era a blogosfera e com a certeza de que teria para sempre uma página só minha, um diário onde eu só queria escrever. Não demorou muito a começarem a chegar pessoas, visitas, seguidores, comentários e eu surpreendia-me a cada momento. O Blog começou a crescer sem que eu fizesse nada para isso. Tentei sempre separar a Vera da Loira e as pessoas que conheciam ambas perceberam sempre muito bem isso. Apresentei o Blog a algumas das minhas pessoas e apresentei-me a algumas das pessoas do Blog. Algumas das minhas pessoas descobriram o meu blog e fui reconhecida por pessoas que só me tinham visto aqui. Um dia perguntaram-me se eu não era A Loira e eu disse que sim, sem raciocinar e sem pensar que a seguir vinha o "A Loira do Blog, das meias, da bicicleta...". Fartei-me de receber mails a explicar que me reconheceram nas fotos de uma maratona ou que passaram por mim enquanto eu estava a pedalar. Fartei-me de recusar pedidos de amizade no meu facebook pessoal por saber que os pedidos vinham de gente que só queria misturar a Vera e a Loira numa imagem que eu só queria separar. Ainda assim continuei a apresentar o Blog a algumas das minhas pessoas e continuei a apresentar-me a algumas pessoas do Blog, o Blog é como a vida, há regras que merecem excepção. Escrever, mostrar partes de mim, partilhar imagens, mostrar-me ao mundo através de um ecrã sempre fez sentido, mesmo nos momentos em que pensei desistir do Blog, e foram muitos. O Blog continua a ser descoberto por pessoas do meu mundo real e para as pessoas do Blog é cada vez mais fácil reconhecer-me.
O Blog era para mim, era só meu, mas agora parece que é cada vez mais do mundo e que já não consigo controlar isso. Escrever só me é possível sem pensar em ses e em quem vai ou poderá ler aquilo que escrevo, só me é possível se cada palavra sair de forma natural e se tanto aquilo que mostro como aquilo que escondo nas entrelinhas for espontâneo. Escrever é uma paixão que não consigo condicionar.
O Blog era para mim, era só meu, agora é do mundo, parece-me, mas não quero saber o que o mundo pensa, vou continuar a escrever aquilo que quero e quando quero, o Blog é para mim, é só meu. O mundo? O mundo que se foda. 

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2017

Tempo de ver #4 - La La Land


Basicamente passei o filme deprimida, na primeira parte por ser estúpida e curiosa o suficiente para ter pago para estar ali a ver aquilo e a segunda parte porque em 15 ou 20 minutos o filme nos dá uma lição do caralho e nos deixa a pensar em tudo. Não achei um filme espectacular, achei que o final compensou a perda de tempo e o tédio que foi aquela primeira parte. Hoje estou a ouvir a banda sonora, que para mim foi das melhores coisas do filme. 

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2017

E porque hoje é dia 10


Um primeiro pequeno passo que me abriu um milhão de novos horizontes. 

Lido muito mal com as desistências

A primeira vez que fui andar de bicicleta para a montanha, ainda eu não sabia o que era uma bicicleta e não fazia a mais pequena ideia da transformação que este objecto ia fazer na minha vida, estava a chover. Fiz aqueles primeiros quilómetros debaixo de chuva e sujei-me muito na lama. O meu primeiro Caminho também foi marcado por uma tempestade inesquecível e por condições que só verdadeiros malucos se atreveriam a enfrentar. É impossível descrever e contabilizar os dias de chuva que já vivi a pedalar, os treinos, os passeios, as maratonas, as viagens que já fiz molhada, a lama que já tive de lavar da minha bicicleta, dos meus sapatos de encaixe, da minha roupa e do meu corpo. É impossível explicar a sensação do "vou mesmo assim", do "é para fazer", do "já estava marcado", do "sim, os planos são para manter", do "que se foda". É impossível dizer onde se vai buscar a coragem para sair de casa num dia de intempérie para a enfrentar de corpo e alma. Talvez seja o meu excesso de confiança, o meu excesso de perseverança, o meu excesso de loucura, mas acho sempre que nada me pode parar e que tudo é possível, sou sempre capaz de tudo, talvez seja tudo isso que me faz lidar muito mal com as desistências e olhar sem esperança para as pessoas que se amedrontam e desistem à primeira previsão de dificuldades. Eu? Desistir é impossível. E das raras vezes em que aconteceu precisei de mais coragem para desistir do que aquela que me seria necessária para seguir em frente. Por mim, vou mesmo assim, é para fazer, já estava marcado, os planos são para manter e que se foda, eu vou. 

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2017

Como um cartaz de pantone

Não sou de ideias preconcebidas nem de ideais inabaláveis, mudo de opinião, mudo de rumo, o que é hoje pode não ser amanhã, nunca digo nunca e não compreendo o "desta água não beberei". Tenho princípios, tenho a minha personalidade, tenho os meus pensamentos, mas a vida muda, a vida muda-nos, a vida obriga-nos a malabarismos e a equilibrismos, a vida não é uma estrada recta e plana, a vida é curva e contracurva, a vida é feita de subidas e descidas, de trilhos técnicos e esburacados, de trialeiras e single tracks, de terreno duro e pesado. A vida não é preto e branco, a vida é feita de milhões de cores e eu escolho a cor e o tom que melhor me assenta para o dia que estou a viver. Invento-a, invento-me, encontro-me na mudança e na certeza que colorir a vida é a única forma que eu tenho de ser eu. 

Os meus livros #8 - A Quinta doa Animais (George Orwell)

SINOPSE
Esta nova tradução de Animal Farm recupera o título original, contrariamente às edições anteriores, que adoptaram os títulos panfletários O Porco Triunfante e - o mais conhecido - O Triunfo dos Porcos.

À primeira vista, este livro situa-se na linhagem dos contos de Esopo, de La Fontaine e de outros que nos encantaram a infância. Tal como os seus predecessores, Orwell escreveu uma fábula, uma história personificada por animais. Mas há nesta fábula algo de inquietante. Classicamente, atribuir aos animais os defeitos e os ridículos dos humanos, se servia para censurar a sociedade, servia igualmente para nos tranquilizar, pois ficavam colocados à distância, «no tempo em que os animais falavam», os vícios de todos nós e as sua funestas consequências. Em A Quinta dos Animais o enredo inverte-se. É a fábula merecida por uma época - a nossa época - em que são os homens e as mulheres a comporta-se como animais.



Há livros que todos deveriam ler, este é um deles. Um livro satírico, um livro sobre a manipulação da opinião. 

Os meus livros #7 - A Filha do Optimista (Eudora Welty)





SINOPSE

A Filha do Optimista conta-nos a história de Laurel Mckelva Hand, uma jovem mulher que abandonou o sul, regressando, anos depois, a Nova Orleães, onde seu pai está a morrer. Após a morte deste, Laurel e a sua provinciana madrasta regressam à pequena cidade no Mississípi onde Laurel havia crescido. Sozinha na sua antiga casa, Laurel chega a importantes conclusões sobre o seu passado, os seus pais e ela própria.


Este livro é a descrição da vida, mas acima de tudo da morte e do que resta depois dela. 

terça-feira, 7 de fevereiro de 2017

Foi assim que aconteceu

Quase 50 km de lama, de areia e de água que me divertiram muito e que me fizeram chegar à meta de sorriso no rosto, de alma lavada, de coração cheio e de corpo imundo. É bom sujar-se, diz a publicidade, eu preciso de um patrocínio para dias assim, ou talvez de alguém que goste muito de lavar roupa, porque essa é mesmo a prova mais dura. Foi lindo, mas não façam isto em casa, ainda tenho areias nos olhos. 


domingo, 5 de fevereiro de 2017

Reler-me #8

Era uma vez uma Loira

Quando comecei a pedalar no meio da montanha e por trilhos nunca antes imaginados por mim, miúda da cidade que achava que se podia ir de estrada para todo o lado e que não imaginava sequer que os locais mais fantásticos que viria a conhecer estão reservados só para alguns e nunca me seria possível chegar lá se não fosse a minha querida bicicleta, tinha a mania que era capaz de tudo.
Havia um charco de água para passar e lá vinham os rapazes, oferecer-se para me levar a bicicleta. Havia umas pedras para descer e lá vinham os rapazes perguntar-me se eu precisava de ajuda. Uma subida difícil e lá perguntavam eles se eu tinha força ou se queria que me fossem buscar a bicicleta. Aquilo irritava-me profundamente e eu respondia sempre o mesmo, que desculpassem, mas que se eu tinha trazido a bicicleta era eu que levava a bicicleta, no dia em que não pudesse com ela não vinha.
Certa vez chegou o dia de ir fazer o meu primeiro Raid da Lama e eu estava longe de imaginar o que aquilo era. Ainda nos primeiros quilómetros o Isidro, que me acompanhava, começou a oferecer-me ajuda a cada cinco minutos, dois metros de lama e lá perguntava ele, uma pedra escorregadia e lá perguntava ele, um charco de água e lá perguntava ele. Eu, que não queria ferir a sua boa vontade, inicialmente lá fui dizendo que não, que era capaz, depois ele começou a enervar-me, sempre a oferecer ajuda, até em locais completamente fáceis, tratava-me como se eu fosse uma menina e eu, do alto da minha falta de experiência lá lhe expliquei aquela história do, se eu trago a bicicleta, sou eu que a levo e blá... blá... blá... Uns quilómetros mais à frente havia um rio para passar, não era um rio qualquer, era um rio com muita profundidade e do lado não havia hipótese, eram pedras super altas e escorregadias, o Isidro passou o rio e ficou do lado de lá a olhar para mim, eu meti-me lá dentro com a água pela cintura e a bicicleta às costas, mas a corrente da água era tão forte que eu mal conseguia caminhar, a bicicleta magoava-me e eu não consegui sair dali, pelo menos facilmente, depois de um grande esforço e de quase ter morrido três vezes lá consegui. Entretanto, enquanto eu dava aquele espectáculo digno de um filme de comédia juntaram-se alguns esperadores masculinos, uns que perguntavam ao Isidro porque caralho ele não me ajudava e outros que queriam ajudar-me mas aos quais o Isidro dizia que não, que eu me safava muito bem sozinha. Quando, finalmente, consegui atravessar o rio começamos a pedalar e o Isidro explicou-me que não me ajudou porque eu trouxe a bicicleta e quero muito ser eu a levar a bicicleta e que blá... blá... blá...
E foi a partir desse dia, do meu primeiro Raid da Lama em que o Isidro me acompanhou que eu, miúda que continua com a mania de que é capaz de tudo, todas as vezes que me oferecem ajuda, faço um grande sorriso, agradeço e digo que não preciso, mas que se precisar eu peço.

Janeiro de 2016

Reler-me #7

Loira, a ambiciosa

Estou a fazer planos, adoro esta fase, é aqui que começam as viagens, quando se marca uma data, quando se decide uma rota, quando se combina com as pessoas, quando se criam expectativas, quando se contam os dias que faltam, quando se começa a ficar ansioso por partir, quando se começa a sonhar. Já disseram de mim que sou demasiado ambiciosa, talvez, em parte, isso possa ser verdade, talvez os meus planos sejam cada vez mais atrevidos e eu esteja cada vez mais ambiciosa. Nunca demasiado, uma vez que nunca voltei para trás, nunca desisti e nunca achei que não era capaz de cumprir um objectivo, de atingir uma meta. Talvez eu seja ambiciosa, talvez os meus planos possam parecer exagerados aos olhos dos outros, mas para mim não, para mim esta é a única maneira que conheço de realizar os sonhos. Ousar, arriscar, aventurar, são os verbos que se seguem.

Janeiro de 2016

sábado, 4 de fevereiro de 2017

Reler-me #6

Enquanto vocês estão no quentinho dos vossos lares

Eu ando lá fora, a pedalar na montanha, à chuva, ao frio, ao vento, debaixo das intempéries mais violentas, enfrentando tempestades indescritíveis. Toda eu molhada, gelada, congelada, toda eu suja de lama, toda eu num estado lastimável aos olhos dos outros. Sofro sempre de uns segundos de hesitação, penso brevemente antes de sair no risco de ficar doente, mas sobre esses segundos não conto a ninguém, arrisco sempre e assim sou mais feliz. Quando estou lá em cima, na montanha, a encarar as perturbações atmosféricas mais violentas nunca me arrependo de ter ido, nunca me arrependo de arriscar, pelo contrário, se tivesse ficado em casa, sei, não correria tanto risco de ficar doente, mas estaria arrependida e infeliz. Lá em cima, na montanha, toda eu sou sol, toda eu sou calor, toda eu sou luz. Toda eu, mesmo que imunda de lama por fora, sigo caminho de alma lavada.

Janeiro de 2016

Reler-me #5

Histórias de vida

Contou-me que a grande paixão da vida dela são os livros. Há mais de vinte anos abriu a livraria com os seus próprios livros. Disse-me que eu, também apaixonada por livros, não consigo imaginar como é doloroso dar um preço a um livro nosso. Eu olhei-a com um misto de compreensão e de admiração, pensei em ficar mais um tempo, fiz perguntas, queria saber mais, queria dividir emoções e partilhar pormenores de uma paixão comum. Imaginei todos os livros que lhe pertenceram, todos os livros que lhe pertencem, todos os livros que já vendeu, todos os que já lhe passaram pelas mãos. Senti até um pouco de inveja, antes de perder o encanto, com a continuação da conversa. A grande paixão da vida dela são os livros, mas detesta ler. A grande paixão da vida dela são os livros, nunca leu nenhum.

Janeiro de 2015