Olhando para trás vejo ainda uma rua muito engraçada e acolhedora, assim que abria a minha janela de manhã via na paisagem os meus vizinhos, aquele que se levantava religiosamente às oito para nos ensinar sempre qualquer coisa, a que nos fazia soltar sempre grandes gargalhadas, a que passeava o cão disfarçado de tema do dia e pelo qual todos estávamos apaixonados, via passar as que levavam os filhos ao infantário ou à escola, as que escolhiam correr logo cedo e as que se apresentavam já com sapatos novos, grandes saltos, roupa a condizer, tudo último moda. Havia as que cotovelavam a vizinha para comentar as roupas afinal não tão giras assim e aquela cor de verniz completamente inadequada, havia as que se sentavam na esplanada a tomar café e a escrever poesia, as que liam, as que ouviam música, as que nunca víamos porque andavam sempre a viajar, as das dietas e os que escreviam para nos fazer suspirar. São incontáveis histórias, sorrisos, gargalhadas, são até lágrimas por vezes de que me lembro, são letras, palavras, frases, parágrafos, textos, são memórias de vida nesta rua feliz, sempre que se abriam as janelas, dia após dia.
Andam todos perdidos nesta rua, agora, cada um na sua vida, dizem que são mais livres e que agora fazem exactamente aquilo que querem, será assim, mas a verdade é que esta rua perdeu o bairrismo, perdeu a convivência, perdeu uma espécie de irmandade que nos unia, uma espécie de amizade que nos fazia uma família. Talvez não andem todos perdidos, talvez seja só eu, não sei. Sei que já não vejo nada quando abro a janela logo pela manhã e que numa rua assim não dá vontade de escrever, não dá vontade de viver. Volto a fechar a janela e tento mais uma vez.
Se esta rua fosse minha... eu mandava inspirar.
Compreendo-te. O Chiado também está um pouco assim. Mas não me posso queixar da quantidades de estrangeiras que me dá atenção. ;)
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