quarta-feira, 28 de abril de 2010

Neste blog, não há censura - 2

Não foi mais que um toque definhado na porta inanimada, nada me preparou para a visita inesperada.
Exibias na face alva os indícios de uma noite não dormida, enquanto apertavas as mãos, nervosamente, olhando para um tecto esbranquiçado que barrava a iluminação digna do corpo que eu sabia de cor.
Pareceste mais admirada que eu quando te abri a porta, como se esperasses que me tivesse expelido para um continente longínquo após o teu desamparo. Ensaiaste um sorriso que acabou por te morrer nos lábios róseos, apertaste mais as mãos e esgrimiste um “Estás melhor?” sumido.
Repliquei-te que estava assim assim, afastando-me um pouco mais da porta, coibindo o corpo de te agarrar.
Apontei para dentro e perguntei-te se querias entrar, desejando um sim e temendo-o ao mesmo tempo.
Sussurraste um “É melhor não, só vim ver se estavas melhor…”, mas já te encontravas a dois passos de mim, encrespando-me mais que todo.
A rádio, sintonizada inevitavelmente na nossa estação, cantarolou a música errada no momento errado e exalaste todo o ar que tinhas, abalroando-me com o teu hálito de algodão doce, e esmoreci por não o poder partilhar.
Olhaste-me de viés e olhei-te de frente, sem vacilar.
“Teme o homem que nada teme”, repetiste tu a frase que mil vezes te havia repetido, devolvendo-me agora o olhar, transparente.
Não gritei que só tu me poderias arrasar, não tenho voz para tanto quando me consomes com o teu olhar enamorado, não te agarrei, porque seria afastado, não me mexi, porque o meu corpo é teu e tu o enregelaste, permiti-me saborear o ar que abastecera os teus pulmões e agora envenenaria os meus, suprindo o vício que me criaste, sentindo o teu olhar no meu, qual réstia do desejo que nunca se extinguiria, imaginando um futuro perfeito que nunca chegaria.
Observei-te a caminhar para porta, a sair olhando uma vez para trás, enquanto trauteavas a música, a nossa música.
Paralisei a respiração, aprisionando um pouco de ti em mim, desejei não mais ouvir, para que a nossa música soasse para sempre em mim, cantada ao teu ritmo.
Não te vi desde então…



Manuel

Neste blog, não há censura - A Explicação

11 comentários:

  1. Vou ser a primeira a comentar.
    Gosto muito do que escreves, consigo senti-lo. Li um texto teu que fez uma lágrima aparecer no meu rosto (depois explico)
    Este texto em especial está lindo. Agradeço o texto e a participação activa no meu blog.
    Beijinho.

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  2. Um post diferente do registo habitual! Só o percebi depois de ler a explicação (nice move Vera, by the way...).

    A música é muito fixe! Um oldie daqueles que dá sempre gosto ouvir!

    Kiss

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  3. Bonito texto, Manuel.

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  4. Também no meu,sempre dentro daquela máxima "quem vier por bem" caso contrário, o caminho por veio, é o caminho por onde pode ir.
    Obrigado pela visita, está à vontade, quando quizeres aparece, és sempre bem vinda ao covil do Lobo Solitário.

    ;)))

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  5. MRPereira, foi esse o motivo de colocar o post da explicação no link, para quem só começou a ler depois, poder compreender. A música também é do Manuel.
    Kiss

    Fresco_e_Fofo, subscrevo.

    Ernela, tu também, aparece sempre que quiseres.

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  6. Tão giro o texto :D
    O Manuel escreve muito bem :D

    Beijinho *.*
    Obrigada pela força ;)

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  7. Obrigado :D.

    O mérito é da Vera, claro está. Ela é que me mandou escrever :p.

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  8. Su, é mesmo. O Manuel escreve que é um espectáculo.
    De nada, podes sempre contar com isso. Um Beijinho.

    Manuel, o único mérito que tenho nisto é ter percebido o teu talento.

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  9. Bem... Amei amei amei o texto, Manuel ! :) É mesmo fantástico... As palavras bem carregadinhas de sentimento ! Parabéns *.* beijinho

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  10. Shell, o Manuel é assim, puro sentimento.

    Alguém, subscrevo.

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