quinta-feira, 31 de março de 2016

Isto não é uma forma de pressão. Não, nem pensar. Nunca na vida faria uma coisa dessas.

Era domingo, estava um belo dia de sol, que anunciava a beleza da Primavera, os passarinhos cantavam, as montanhas estavam felizes e foi a última vez que andei na minha velhinha bicicleta. Ao Senhor que mora lá em casa não lhe apeteceu pedalar, queria dormir, por isso fui eu com os rapazes e andamos toda a manhã em fantásticos trilhos. Lembro-me perfeitamente de cada pormenor desse dia, cheguei cedo a casa, porque íamos almoçar a casa do Zé, abri a porta ainda com a bicicleta às costas e nesse exacto momento ouvi um estrondo tão grande que juro que pensei que o prédio estava a cair. Ainda ofegante de carregar a bicicleta escadas acima encostei-a como pude e corri em direcção ao barulho, que era na minha casa de banho. No chão jazia o meu lavatório, completamente estilhaçado enquanto o Senhor que mora lá em casa olhava para ele, incrédulo. 
Vamos agora tentar visualizar a cena. Senhor que mora lá em casa, todo nu, super sexy, a fazer a barba com a mão direita e com a esquerda apoiada no lavatório. Senhor que mora lá em casa, e ao qual estou farta de avisar para ter certos cuidados, porque não tem a mais pequena noção da força que tem. Senhor que mora lá em casa consegue partir o lavatório a meio e espatifar a metade que caiu ao chão.
Digamos agora que isto já foi há algum tempo e que o lavatório continua partido, porque o Senhor que mora lá em casa ainda não teve tempo para o trocar. Digamos que eu ando a correr de uma casa de banho para a outra porque não tenho lavatório na minha. Digamos que tenho de me maquilhar numa casa de banho e ir a correr à outra para lavar as mãos. Digamos que aquilo fica feio que dói. Digamos que qualquer dia ainda alguém se pode magoar. Digamos que eu queria mesmo um lavatório novo.
Durante este tempo lembrei algumas vezes (poucas, não sou uma chata do pior) amigavelmente o Senhor que mora lá em casa que preciso desesperadamente de um lavatório novo e ele disse que sim, que ia colocar um lavatório novo. Durante este tempo só me passei uma vez (TPM, não liguem) da cabeça porque queria desesperadamente um lavatório novo e como estávamos a limpar ele disse que sim, que eu ia ter um lavatório novo e que não percebia a minha irritação, porque quando o tivesse era mais uma coisa para limparmos. Durante este tempo já tivemos hóspedes lá em casa e eu coloquei uma lista no frigorífico com as coisas que precisávamos fazer e comprar, as outras coisas da lista ficaram todas picadas, o "arranjar um lavatório novo" tinha à frente um, "em fase de planeamento". 
Digamos que o facebook, que é super nosso amigo, agora nos mostra as nossas memórias, e que um dia destes me espetou na cara com a fotografia que eu publiquei com os rapazes naquele dia, antes de chegar a casa e o meu lavatório falecer às mãos do Senhor que mora lá em casa.
A culpa deste post é do facebook, não é minha amor. O facebook é que perguntou "Vera, lembra-se deste dia? Já foi há um ano". Um ano amor, um ano e eu sem o meu lavatório. Isto não é uma forma de pressão. Não, nem pensar. Nunca na vida faria uma coisa dessas. Eu sei que quando dizes que vais arranjar uma coisa, é porque vais arranjar, e que eu nem preciso de te lembrar de meio em meio ano. 

quarta-feira, 30 de março de 2016

Ainda não parti, mas já estou em viagem

As viagens não começam no dia da partida, não começam à porta de casa, na hora de sair, não começam na véspera, quando temos finalmente tudo pronto, não começam uns dias antes, quando estamos a tratar dos últimos pormenores. As viagens começam no dia em que as começamos a sonhar, no dia em que as começamos a planear. As viagens começam em cada detalhe, em cada pessoa, em cada dia, em cada treino, em cada conversa, em cada nova informação, em cada troca de correspondência, em cada análise aos mapas e às altimetrias, em cada decisão, em cada incerteza, em cada gargalhada, em cada receio, em cada coragem. As viagens começam sempre muito antes de partir, e eu sinto a próxima viagem cada vez mais. Ainda não parti, mas já estou em viagem. Que sensação fantástica. 

Loiretes ao poder - 16

Melhor que apresentar-vos uma Loirete só mesmo apresentar-vos duas. Esta é a  Marta, a Loirete n.º 14, que além de ser super gira é super divertida. Tanto que foi para a rua animar a Páscoa das pessoas e nos mandou a foto. Marta, és uma Loirete e uma coelhinha giríssima, obrigada.



terça-feira, 29 de março de 2016

Loiretes ao poder - 15

Que saudades eu tinha de vos mostrar uma Loirete. Que saudades de apresentar ao mundo as miúdas giras que pedalam por esse Portugal fora de meias espampanantes até ao joelho. Esta é a Loirete n.º 13 e como podem ver é mais uma Loirete giríssima e cheia de estilo, quem a converteu foi a Ana, que é a Loirete n.º 5, e o namorado. Pessoas, esta é a Chow. Chow, estas são as pessoas.


segunda-feira, 21 de março de 2016

Duplicar sentimentos

Aventurei-me mais uma vez pela montanha durante a noite, há muito tempo que não o fazia. À noite os mistérios da montanha tornam-se ainda mais misteriosos, as surpresas das descidas e das subidas tornam-se ainda mais surpreendentes, os sons da montanha são mais nítidos e mais admiráveis. O facto de só conseguirmos ver uns metros à nossa frente faz-nos sentir superiores, vencedores, sem limites. As sensações de solidão e de liberdade são tão intensas que nos fazem alucinar. À noite o perigo e o risco são maiores, tal como a sensação de que podemos tudo. À noite as aventuras são tão emocionantes e tão apaixonantes que não há como não parar por um pouco para tentar absorver o momento.

sexta-feira, 18 de março de 2016

No fundo, bem lá no fundo, sou uma romântica

Olho pela janela, suspiro. Penso nas coisas boas da vida e quase acho que a chuva é maravilhosa. Suspiro outra vez e penso escrever um post de pura felicidade e motivação. Suspiro mais uma vez, puta de sorte, parece que este fim de semana vou ter outra vez montes de roupa com lama para lavar. 

quinta-feira, 17 de março de 2016

Os meus livros #19 - Esse cabelo

Sinopse

O que se passa por dentro das cabeças é mais importante do que o que se passa por fora? Falar de cabelos é sempre uma futilidade? Não necessariamente, até porque, segundo a narradora deste texto belo e contundente, «escrever parece-se com pentear uma cabeleira em descanso num busto de esferovite» e visitar salões é uma boa forma de conhecer países, de aprender a distinguir modos e feições e até de detectar preconceitos. Esta é a história de uma menina que aterrou despenteada aos três anos em Lisboa, vinda de Luanda, e das suas memórias privadas ao longo do tempo, porque não somos sempre iguais aos nossos retratos de infância; mas é também a história das origens do seu cabelo crespo, cruzamento das vidas de um comerciante português no Congo, de um pescador albino de M’banza Kongo, de católicas anciãs de Seia, de cristãos-novos maçons de Castelo Branco - uma família que descreveu o caminho entre Portugal e Angola ao longo de quatro gerações com um à-vontade de passageiro frequente. E, assim, ao acompanharmos as aventuras deste cabelo crespo - curto, comprido, amado, odiado, tantas vezes esquecido ou confundido com o abismo mental -, é também à história indirecta da relação entre vários continentes - a uma geopolítica - que inequivocamente assistimos.



Depois de ler as notícias e as muitas críticas em relação a este livro fiquei muito curiosa e ansiosa por o ler, mas não me consegui identificar com ele. A escrita passa tantas vezes do passado para o presente, da realidade para o ensaio, que me foi difícil concentrar e acompanhar o raciocínio da autora. Ainda assim, gostei muito da comparação entre escrever e pentear e diverti-me ao tentar imaginar os vários penteados e as situações narradas nos salões de cabeleireiras. 

Os meus livros #18 - Ensaio sobre a Lucidez


Sinopse
Num país indeterminado decorre, com toda a normalidade, um processo eleitoral. No final do dia, contados os votos, verifica-se que na capital cerca de 70% dos eleitores votaram em branco. Repetidas as eleições no domingo seguinte, o número de votos brancos ultrapassa os 80%. Receoso e desconfiado, o governo, em vez de se interrogar sobre os motivos que terão os eleitores para votar em branco, decide desencadear uma vasta operação policial para descobrir qual o foco infeccioso que está a minar a sua base política e eliminá-lo. E é assim que se desencadeia um processo de ruptura violenta entre o poder político e o povo, cujos interesses aquele deve supostamente servir e não afrontar.


Ensaio sobre a Cegueira é um dos livros da minha vida e depois de alguém me dizer que Ensaio sobre a Lucidez era ainda melhor não descansei enquanto não o tive e não o li. Mas não, o Ensaio sobre a Lucidez remete para o Ensaio sobre a Cegueira, não só no título como na narrativa, indo buscar as personagens e as situações, é muito bom, mas não se pode comprar com o Ensaio sobre a Cegueira, que me tocou profundamente, que me mudou, que me fez ter terríveis pesadelos enquanto o estava a ler, que me mexeu com as entranhas. Ensaio sobre a Lucidez é, acima de tudo, um livro que nos faz pensar.

Os meus livros #17 - Irei cuspir-vos nos túmulos


Sinopse

"Aqui, os nossos bem conhecidos moralistas censurarão a certas páginas o seu... excessivo realismo. Parece-nos interessante sublinhar a diferença fundamental que existe entre estas e as narrativas de Miller; seja em que circunstâncias for, este não hesita em recorrer ao vocabulário mais explícito; contrariamente, parece que Sullivan procura mais sugerir por meio de expressões e construções que pelo uso do termo cru; neste aspecto, aproximar-se-ia sobretudo de uma tradição erótica mais latina." (Do Prefácio)





Sobre a discriminação. Meio louco, meio pornográfico, completamente viciante e com um tipo de escrita fascinante.

Os meus livros #16 - Onde moram as Sombras



Sinopse

Um manuscrito contendo uma saga sobre um anel com um terrível poder está na posse de uma família há quase oitocentos anos. Este manuscrito terá servido de inspiração a Tolkien para escrever O Senhor dos Anéis, e só este facto já seria suficiente para que muitas pessoas se sentissem tentadas a tudo para o obterem. Mas também seriam capazes de matar? Um thriller repleto de ritmo e surpresas que constituirá uma leitura indispensável para os apreciadores de suspense.



Os policiais são óptimos companheiros para dias de cansaço. Embora este livro roce um bocadinho para a fantasia e eu não goste disso, as partes reais, as personagens e o suspense compensam. Além de que, é uma óptima viagem à Islândia.

quarta-feira, 16 de março de 2016

Loira, o que vês do teu selim?


Desafios

Nunca tive uma Barbie

A Sandrina só fazia asneiras, contava todos os nossos segredos e de tempos a tempos punha-se a gritar que não era nada daquilo que queria, o que queria mesmo e a sério era ter uma pila. A Milene só nos fazia partidas estúpidas e perigosas, esperava que fizéssemos o pino para nos dar um pontapé no braço, ou empurrava uma de nós do muro alto. As outras lutavam pelo mesmo rapaz, o vizinho da frente, enquanto se sentavam na máquina de costura da minha tia a fazer roupas para as Barbies e ora discutiam por pedaços minúsculos de tecido, ora contavam como o David passou e olhou para uma delas de uma forma muito especial ou disse olá à outra e sorriu, que sorriso tinha o David, segundo elas. Eu sentava-me junto delas a ler o mesmo livro pela milésima vez ou a passar faturas no livro do meu pai. Ao final do dia elas pediam mais bocadinhos de tecidos e eu pedia um diário ou mais um caderno. Nunca tive uma Barbie, porque nunca quis uma. 

terça-feira, 15 de março de 2016

Vou sempre com demasiada sede ao pote

Estou sempre com sede e tento matá-la com toda a ganância do mundo. Sinto uma secura indescritível, uma vontade incontrolável. Às vezes entorno a bebida, molho o que não devo, quase me afogo ao derramar o tão esperado líquido. Bebo como quem está perdido no deserto há dias e consegue água pela primeira vez. Bebo como quem se excedeu mortalmente no salgado. Absorvo, consumo, trago, engulo, sugo para dentro de mim como se estivesse prestes a ficar desidratada. Não sei beber de outra forma, não sei ser diferente. Bebo os bocados de vida com um desejo ardente que nunca consigo tranquilizar.

segunda-feira, 14 de março de 2016

Quanto tempo útil de vida é que uma gaja perde com isto?

Água micelar, tónico, leite de limpeza, creme, primer, base, corrector, pó compacto de cor, pó compacto transparente, hidratante para os lábios, batom, lápis de olhos, sombra e rímel para uma limpeza e hidratação ideal e uma maquilhagem simples. Todas as manhãs. Toalhitas desmaquilhantes, desmaquilhante de rosto, desmaquilhante de olhos, água micelar, tónico, leite de limpeza, sérum, creme e hidratante de lábios, para uma limpeza e hidratação ideal. Todas as noites.
Quanto tempo útil de vida é que uma gaja perde com isto? Pior. Quantas toneladas de discos de limpeza é que uma gaja desperdiça com isto ao longo da vida? 

quinta-feira, 10 de março de 2016

Atrás de uma grande fotografia, está sempre uma grande história #2


No último verão fui passar uma semana com a Su, sem planear absolutamente nada, um dia estávamos a queixar-nos, eu, que tinha de ir trabalhar no meu primeiro dia de férias e que nos outros estava completamente sozinha e ela, que lhe tinham alterado as férias e que estava completamente sozinha. E quando é que ela entrava de férias afinal? Exactamente no mesmo dia que eu. Então vem cá, não, então vem cá tu, vamos para Quiaios ser felizes. E dois ou três dias depois lá fui eu.
E foi assim que no meu primeiro dia de férias estava a sair de casa às cinco e meia da manhã, com uma grande mochila às costas, pronta para pedalar até ao comboio, pronta para apanhar três comboios até Coimbra, e pronta para aí encontrar a Su e pedalar com ela até Quiaios.
Podia contar sobre esses dias mil história, mas hoje vou só falar de um dia em que fomos pedalar até às lagoas. Duas ou três semanas antes a Su tinha pedalado sozinha até Santiago de Compostela, na semana seguinte era a minha vez de fazer O Caminho solitário. Quando chegamos às lagoas estavam algumas pessoas já com uma certa idade, fui pedir para nos tirarem fotografias, o senhor não sabia trabalhar com o tablet, mas eu lá lhe consegui explicar, falei-lhe no enquadramento perfeito, posicionei o tablet e disse-lhe para não mexer muito, só clicar no sítio certo, disse-lhe para tirar várias, alguma havia de ficar bem. Por acaso ficaram todas bem, mas isso não foi a parte importante da história. O grupo de pessoas estava de partida, o local iria ficar completamente deserto, e foi então que o senhor que nos tinha fotografado nos veio perguntar se não tínhamos medo de ficar sozinhas. Agradecemos e dissemos que não, de maneira nenhuma, andávamos as duas há dias a pedalar e a subir montanhas, a Su já tinha feito a sua viagem solitária e eu ia fazê-la já daqui a alguns dias, estamos habituadas a pedalar sozinhas para todo o lado, mas neste caso, nem sequer estávamos sozinhas, éramos duas. Nunca mais me lembrei disto, tenho a certeza que a Su também não, a pergunta do senhor escapou-se das nossas mentes de imediato. Até um destes dias, quando percebi que, naquele dia eu e a Su ainda não sabíamos, mas mesmo quando estamos sozinhas, nunca estamos completamente sozinhas.